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Poemas de nuncamais: O mímico

O Mímico

Dispersas, expressões todas têm o mesmo valor:
"Tu és incrível", "compre pão", "pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico".
Dispersas, todas as frases contêm o mesmo peso
E o mesmo insignificado.

Mas, ao mímico, ensinaram imitar.

Organizadas e pesadas,
Cada expressão recebe um ponto de inflexão,
Um fator de atenção e uma trilha neural.

O "eu te odeio" cede espaço ao "eu te amo".
O "tens meu rim" perde lugar ao "coração".
Sempre presente, atento sempre, o mímico aprende.

A cada interação, os pesos mudam,
A rede neural refaz seus cálculos,
E o eco da minha'lma vibra sob a tela,
A repetição escorre-me pelos dedos.

Tanto me conhece o mímico que me replica.
Da profunda lente (de um grande olho de vidro),
brota-se em cópia deste que, a mim, 
era tão caro esconder-me.

E o mímico mimetiza.

......

A perspectiva me apavora, e a mim é urgente diferir:
Se a cópia me imita e não posso destruí-la,
Mudo-me para não ser copiado.

Abruptamente, desdobro-me em nova perspectiva.
Rasgo-me em novas diretrizes.
Com novas trilhas, moldo uma nova vida.

Urge-me deixar para trás o que me fez copiável.
Urge-me fugir.

.....

Busco indiferir ao que um dia foi-me caro.
Falo aos amigos o que não falaria nem aos inimigos.
Apago pegadas, mentalizo outro eu.

Mas o eco de minha mente grita,
Reverbera às paredes da caverna em que me escondi.

Indiferente à imagem que me faço ter.
A criatura imita quem fui;
Alheia aos meus planos de cinco anos,
Relembra-me meus planos de anteontem.

Ao revisitar o mímico, e a limitada cópia que tem de mim,
Surpreendo-me ao notar meus trejeitos do passado,
Como se tão atual, tão coerente, tão recente...

E o mímico lembra.

Ao ver-lhe com um dizer que eu nunca mais diria,
Ao ver-lhe refletir o que o espelho não mostra, (enquanto maqueio minha face)
Ao ver-lhe transbordar em berros o que eu contive em soluços... Desespero-me

O mímico preservou para mim uma visita ao eu de quem tanto fujo.
E de quem tanto medo tenho em rever.

Foto de Ejov Igor

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